15 de maio de 2013

Catarina Carvalho, o regresso da travessia do deserto?


Época de 20011_2012
A carreira de um atleta tem altos e baixos, não é novidade. Também a Catarina passou por cerca de um ano e meio que foi um autêntico deserto. Mas, normalmente, sabemos qual a razão que leva ao que o atleta passe a ter um menor rendimento.
Uma atleta que tem como recorde pessoal aos 3000 metros 09:58,85 e aos 3000 m obstáculos 10:32,69 da época de 2011, não se percebe como em 2012 passou para 10:05,68 no inverno, 10:29,40 no verão, aos 3000 metros, e 11:28,18 nos 3000 m obstáculos. Na época de 2012_2013 a melhor marca aos 3000 metros, até antes de dia 12 de Maio, era de 10:32,03 (Fevereiro). Mas como explicar este abaixamento do rendimento durante cerca de um ano e meio? Falta de treino, falta de empenho, doença, etc. O que complicava a compreensão do problema é que não sabíamos o porquê de ela estar a atravessar o tal “deserto” porque havia treino, empenho e não nos apercebíamos de qualquer doença que pudesse provocar esta situação.
Voltemos atrás no tempo. No final da época de 2011, quando a Catarina esteve no campeonato da europa de Juniores em Tallinn, pesava 48 kg. No início da época de 2011_2012 estaria com cerca de 49kg. Nesse início de época ainda foi ao Campeonato da Europa de Corta-mato de Sub-23. Mas, num curto lapso de tempo, assim como quem não dá por isso, a Catarina estava em Janeiro com 52 kg. Ora não é novidade que o peso nos atletas de meio-fundo é de vital importância para o rendimento. Arrisco-me a afirmar que por cada quilo que a Catarina aumentava o rendimento reduzia em cerca de 1% (5 a 6s aos 3000 metros), ou, por cada 10% no aumento de peso (5kg) reduzia 5% no rendimento (30s). Durante essa época o peso chegou quase aos 53 kg. Bom, afinal parece que tínhamos descoberto a causa do abaixamento do rendimento. Parece que sim, mas isto não explicava tudo. Mas qual a causa desse repentino aumento de peso?
Voltemos à linha dos acontecimentos. Logicamente que, com esta situação, tínhamos de fazer qualquer coisa. Recebemos a ajuda da Nutricionista Cátia Pontes, da Alimentarte, que seguiu a Catarina durante cerca de 3 meses (mais ou menos de Fevereiro a Abril). Mas em vão, apesar de todos os esforços, a Catarina continuava com cerca de 52 kg. Concluímos que o problema teria que ir mais além do que a correção da alimentação. Pedi ajuda ao departamento médico da Federação Portuguesa de Atletismo para despistar algum problema que pudesse levar ao aumento de peso. A FPA entendeu que só faria sentido avançar para a área médica depois da Catarina ser seguida pela nutricionista da FPA e assim foi durante mais cerca de 3 meses (de Maio a Julho). Após este período o peso continuava na casa dos 52/53 kg e a percentagem de massa gorda entre os 19 e 22%. Valores estes que eram incompatíveis com um bom rendimento na área da resistência. Após pressão da nossa parte, conseguimos uma consulta com a médica da federação que após todo o historial, e perante a minha convicção de que o problema teria que ter outra origem que não apenas a alimentação (talvez hormonal), passou as análises para avaliar os valores hormonais. Concluindo, análises passadas, consulta no especialista e diagnóstico de uma doença crónica na tiroide: Tiroidite Autoimune Crónica ou tiroidite de Hashimoto. Após cerca de um ano e meio conseguimos saber o que poderia estar a motivar este aumento de peso e, consequentemente, a redução do rendimento.
A Tiroidite Autoimune Crónica é uma doença auto-imune na qual o próprio organismo produz anticorpos contra a glândula tireóide levando a uma inflamação crônica, com diminuição do seu funcionamento (hipotireoidismo). Os sintomas da Tiroidite Autoimune Crónica praticamente não são visíveis nas pessoas com atividades normais, ou que não realizem grandes esforços durante o dia a dia. Portanto, a doença estava instalada e, diretamente, não havia sintomas. Mas no atletismo os sintomas sentiam-se sem nós sabermos do que se tratava. Segundo Paulo Zogaib, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em medicina do desporto, no atleta com Tiroidite Autoimune Crónica “pode haver dificuldade em manter a massa muscular e facilidade em ganhar peso, além de sintomas como cansaço”. E segundo Miguel Melo*, várias patologias foram hipoteticamente associadas à Tiroidite Autoimune Crónica, a maioria com base autoimune ou alérgica. Ora, era exatamente isso que se passava com a Catarina em que além do aumento do peso aconteciam episódios de cansaço extremo sem que houvesse razão para isso.
Época de 2012_2013
Mas, diagnosticado o problema podemos dizer que a travessia no deserto terminou? Só o tempo o dirá. Após três meses de tratamento voltou a fazer análises e vai ser reavaliada pelo endocrinologista de modo a perceber se a dosagem do medicamento se deve manter. Para já, temos uma situação real: durante os meses de tratamento os treinos estão claramente diferentes, o peso está perto dos 50kg e passou de 10:32,03 em Fevereiro para 10:03,16 em Maio. Esperemos que o rendimento possa continuar a evoluir, mas se a travessia do deserto terminou, só o futuro o dirá.
Este artigo pretende alertar os treinadores sobre algumas situações dúbias que se nos deparam na nossa carreira. Se o seu atleta aumenta de peso de forma descontrolada, coloque várias hipóteses em cima da mesa, nem sempre a “culpa” está no atleta. Rodeie-se de especialistas para que o diagnóstico seja correto e o problema seja resolvido de forma rápida e eficaz.

* Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo dos Hospitais da Universidade de Coimbra. 

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