29 de dezembro de 2010

Menina do Zona Alta que representou Portugal no Europeu de Corta-Mato

Catarina Carvalho nasceu em Leiria, foi registada na Marinha Grande, mas veio muito nova para Torres Novas, sentindo-se por isso torrejana de gema. É a menina bonita do atletismo da União Desportiva e Recreativa da Zona Alta de Torres Novas. A sua recente internacionalização, a boa prestação e o título nacional nos três mil metros obstáculos mostram que se está na presença de uma grande esperança para o atletismo nacional.




Com que idade descobriu a sua vocação para o desporto?
Parece que nasci com vocação para correr e saltar. Em criança, bem pequena, a minha mãe costumava dizer que parecia uma abelha que andava sempre a zunir de um lado para o outro. Adorava correr e saltar.
Oficialmente começou a praticar a modalidade com que idade?
Aos 12 anos fui com a minha mãe para o Algarve, e na escola comecei a correr no desporto escolar e aí fiquei com a certeza de que queria ser atleta.
Que provas fazia então?
Comecei logo por fazer provas de estrada e de corta-mato. Na escola fazia um pouco de tudo.
No meio de tudo isso onde é que se sente melhor? Na estrada, no corta-mato ou na pista?
Gosto muito de corta-mato. Mas gosto muito de pista, principalmente dos três mil metros obstáculos.
Quando é que os resultados começaram a aparecer?
Começaram logo à partida, na escola era uma crónica vencedora e depois nos iniciados, juvenis e agora juniores fui sempre uma das melhores atletas a nível distrital, regional e nacional.
São esses bons resultados que a entusiasmam a continuar a acalentar a vontade de vingar no atletismo ao mais alto nível?
Sem dúvida que sim. Para qualquer atleta que comece cedo e os resultados apareçam é sempre uma motivação extra para continuarmos a crescer e a lutar por melhores resultados.
“Já tive convites para sair para um clube de maior dimensão”
Todos os grandes atletas que têm aparecido no Ribatejo acabam por ir para os grandes clubes. Já teve algum convite para isso?
Já houve algumas abordagens. Mas é aqui no Zona Alta que me sinto bem e os convites não foram de tal modo aliciantes que me dessem a volta à cabeça e me fizessem sair desta família que é o atletismo do Zona Alta.
Quer dizer que não há dinheiro mas há amizade e acompanhamento?
Muita amizade mesmo. O acompanhamento por parte dos dirigentes e treinadores é impecável, a amizade estende-se a todos os atletas. Somos como irmãos que nas provas se incentivam uns aos outros, e no final quer obtenhamos uma boa ou má classificação não há recriminações, nem deixa de haver amizade. Num clube de outra dimensão as coisas já são bem diferentes o que conta são os resultados.
Quer dizer que ainda não pensou seriamente em ir para outro clube?
Já pensei. Mas reflecti e tenho a certeza que não vou ser tão acarinhada como sou aqui no Zona Alta. Para sair do clube em que somos formados e onde já crescemos um bocado é preciso pensar o passo que vamos dar e vermos que vamos estar bem. Se não dei esse passo é porque senti que não estava preparada para o dar.
Mas com a sua mãe desempregada, também é verdade que tem que começar a pensar em tirar alguma vantagem financeira do atletismo. E no Zona Alta nunca pode pensar nisso.
Eu sei que é assim, que o Zona Alta não me pode pagar nada. Mas também garanto que não vou sair daqui porque não me dão dinheiro. O dinheiro pode ser importante, mas não é tudo, a ajuda e o acompanhamento que fazem, a preocupação que têm em saber se o atleta está mal e porquê, o apoio que dão quando precisamos ajudam-nos a entender que o dinheiro não é tudo.
O desenvolvimento da alta competição em Portugal está ao nível dos outros países?
É uma pergunta difícil! Competi algumas vezes com atletas de outros países e à partida parecia que eram muito melhores que nós. Mas depois cheguei à conclusão que o que elas têm são outras condições que nós não temos.
Já tem o estatuto de atleta de alta competição?
Já tenho o estatuto desde o ano passado. Mas não recebo nada por isso. E sei que as regras mudaram e agora são os tempos e as prestações que tivermos que nas provas internacionais, principalmente lugares no pódio, que contam para a atribuição de bolsas.
Lugares no pódio que Catarina Carvalho procura sempre?
Sim essa é uma ambição minha e de qualquer atleta.
Tem consciência de que é uma das melhores atletas da categoria de júnior?
Sei o que valho, mas ser uma das melhores é sempre subjectivo.
Mas nos campeonatos nacionais e agora na selecção demonstrou que é realmente das melhores?
Sim é verdade, e vou sempre lutar para ser cada vez melhor. Na selecção fui a segunda portuguesa, mas agora sinto que podia ter feito melhor, tomei algumas precauções, corri de trás para a frente e sinto que podia ter chegado um pouco mais à frente.
Foi a falta de experiência que falou mais alto?
Foi. Temos que ver que foi um corta-mato em que não estamos habituadas a partir da forma como é feita. Temos mesmo que partir bem para conseguirmos chegar logo aos lugares da frente. Na altura parti mal e fiquei um pouco para trás e foi difícil recuperar.
Esta chamada à selecção foi o momento alto da sua carreira?
Sem dúvida que sim. Lutei muito para conseguir ser chamada, e quando fui seleccionada foi uma alegria indescritível. Treinei muito para o conseguir, foi um grande prémio.
Agora vai ser mais fácil voltar a representar Portugal?
Não sei. Quem decide é o seleccionador.
Mas o resultado foi bom, mostrou que é uma boa atleta e que podem contar consigo?
Sempre disse que no dia em que fosse à selecção era para dar o meu melhor, e que era para representar a equipa, não ia lutar por um lugar individual. E foi isso que fiz.
O que é que sentiu na altura da prova?
Estávamos todas muito nervosas e ansiosas, mas logo que foi dada a partida tudo passou. O nosso único pensamento era chegar ao fim no melhor lugar possível.
No meio disto tudo qual é a sua prova favorita em pista?
São os três mil metros obstáculos. É uma prova diferente, é correr e saltar. Não é uma prova saturante, é sempre diferente e tem a vala de água, adoro saltar na vala, é uma sensação diferente, é lindo.
O atletismo é o desporto dos pobres?
No que diz respeito a lucros é.
É preciso menos dinheiro para pôr um atleta a praticar atletismo?
É verdade. Para começar umas sapatilhas, uns calções e uma camisola chegam. Mas não se pode ver o atletismo só nesse prisma. Um atleta para atingir um elevado nível competitivo precisa de ganhar dinheiro.
E lesões?
Felizmente nunca tive qualquer lesão. Só fui ao fisioterapeuta antes da ida à selecção e foi para uma massagem para estar mais leve.
Quantas horas treina por dia?
Depende do treino que o treinador me dá para fazer. Posso treinar uma ou duas vezes por dia. Será uma média entre duas ou três horas por dia.
Qual tem sido a importância do treinador, Nelson Silva, e do dirigente Raul Santos na sua carreira?
Tem sido decisiva. O meu treinador é mais do que isso, é também um grande amigo, que mesmo quando discute connosco o faz com amizade. O professor Raul é aquele amigo que está sempre ao nosso lado. É o amigo de toda a hora, que está sempre presente.
A sua internacionalização já foi reconhecida pela Associação de Atletismo de Santarém?
Até hoje não recebi qualquer palavra de incentivo da associação. Mas sei que a Associação só dá importância aos atletas das provas técnicas. Os atletas de fundo e meio fundo, são praticamente ignorados. Mas não estou preocupada com isso, quero continuar a trabalhar com vontade para ser uma atleta de nível nacional e internacional.
Mas reconhece que merecia uma palavra de incentivo?
É claro que sim. Todos nós gostamos de ver o nosso trabalho reconhecido. Mas ligo mais aos meus objectivos e a quem me apoia, quem está sempre ao meu lado, do que a quem não quer reconhecer o trabalho que se faz nestes pequenos clubes.
A Câmara Municipal de Torres Novas já lhe deu os parabéns?
A Câmara de Torres Novas não nos liga nenhuma. Ainda não percebi porque é que a autarquia nos ignora. Temos excelentes resultados, levamos o nome da cidade a todo o país e nem sequer temos uma pista para treinar. Nem somos muito exigentes, só pedimos uma pista que sirva para treinos, mas chego a pensar que os responsáveis nem sequer se apercebem dos resultados que fazemos.
A sua ida à selecção foi olvidada?
Ninguém na câmara reconhece o nosso valor.
Quais são os seus objectivos a curto prazo?
Vou treinar com afinco para fazer um bom Campeonato Nacional de Corta-Mato para ser seleccionada para ir ao Mundial de Corta-Mato, que se disputa em Abril.
Um bom campeonato nacional é vencer?
Não é vencer. Mas essa é uma ambição que tenho e é exequível. Conheço bem as minhas adversárias, que são também grandes amigas, e já conversámos todas sobre o campeonato e a nossa vontade é a de lutarmos todos pela vitória.
“Sou muito caseira e o atletismo é a minha vida”
Catarina Carvalho nasceu em Leiria, em 1992, foi registada na Marinha Grande onde viviam os seus familiares. Veio para Torres Novas muito nova, por isso a sua vida é feita na pequena aldeia da Meia Via, terra que a adoptou e aos seus familiares.
Como é a Catarina Carvalho na vida particular?
Sou uma pessoa simples, amiga do meu amigo, luto por aquilo que entendo ser o melhor para mim e para os meus. Adoro ajudar a minha mãe e tomar conta do meu irmão. Não gosto de intrigas e abomino a desonestidade.
Como gere o seu dia a dia?
É muito simples. Sou muito caseira e o atletismo é a minha vida. Neste momento é treino, uma ou duas vezes por dia, e ajudar a minha mãe na lida da casa.
Tem para isso o apoio da sua família?
O apoio da minha família tem sido incondicional. É muito bom. A importância desse apoio é diferente daquele que nos é dado pelo treinador e pelos dirigentes e mesmo dos colegas. Sentir-mos o apoio das pessoas que nos criaram, que nos deram amor é fundamental para nos ajudar a fazer os sacrifícios que precisamos de fazer.
A sua mãe e os seus avós costumam acompanhar as suas provas?
A minha mãe vai sempre que pode, o trabalho nem sempre permite a sua deslocação. Agora em Albufeira foi uma grande alegria vê-la entre a assistência. O meu avô é mais difícil mas de vez em quanto vai ver. Mas conto sempre com o seu apoio e quando chego já sabem o meu resultado.
E os estudos?
Os estudos estão parados. Fiz o nono ano e parei. Mas agora já cheguei à conclusão de que tenho que voltar. Para o ano vou tentar fazer o décimo ano.
A paragem foi para se dedicar mais ao atletismo?
Foi também um pouco para isso. Mas não foi tudo, estava um bocado desmotivada e resolvi parar.
Se for possível tirar um curso, já pensou qual?
Se puder quero ficar ligada ao desporto. Quero ajudar os mais novos a conseguirem ser bons atletas. Quero ter a alegria de continuar ou ajudar a praticar desporto.
E tempo para outras coisas boas da vida? Namorar, ir a uma discoteca, estar com os amigos?
O importante é gostarmos mesmo daquilo que fazemos. Porque de resto conseguimos arranjar tempo para tudo. Não tenho namorado. Mas sempre que posso, e não me prejudica o atletismo, saio um pouco com os amigos, mas a maior parte do tempo passo-o em casa, gosto de ver os desenhos animados na televisão. Gosto muito de estar em casa.
E casar e ser mãe?
Não quero casar! Namorar também não namoro. Neste momento não penso muito numa vida familiar própria. A minha vida é o atletismo.

Fonte: http://semanal.omirante.pt/

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