Catarina Carvalho nasceu em Leiria, foi registada na
Marinha Grande, mas veio muito nova para Torres Novas, sentindo-se por
isso torrejana de gema. É a menina bonita do atletismo da União
Desportiva e Recreativa da Zona Alta de Torres Novas. A sua recente
internacionalização, a boa prestação e o título nacional nos três mil
metros obstáculos mostram que se está na presença de uma grande
esperança para o atletismo nacional.
Parece que nasci com vocação para correr e
saltar. Em criança, bem pequena, a minha mãe costumava dizer que parecia
uma abelha que andava sempre a zunir de um lado para o outro. Adorava
correr e saltar.
Oficialmente começou a praticar a modalidade com que idade?
Aos 12 anos fui com a minha mãe para o Algarve, e
na escola comecei a correr no desporto escolar e aí fiquei com a
certeza de que queria ser atleta.
Que provas fazia então?
Comecei logo por fazer provas de estrada e de corta-mato. Na escola fazia um pouco de tudo.
No meio de tudo isso onde é que se sente melhor? Na estrada, no corta-mato ou na pista?
Gosto muito de corta-mato. Mas gosto muito de pista, principalmente dos três mil metros obstáculos.
Quando é que os resultados começaram a aparecer?
Começaram logo à partida, na escola era uma
crónica vencedora e depois nos iniciados, juvenis e agora juniores fui
sempre uma das melhores atletas a nível distrital, regional e nacional.
São esses bons resultados que a entusiasmam a continuar a acalentar a vontade de vingar no atletismo ao mais alto nível?
Sem dúvida que sim. Para qualquer atleta que
comece cedo e os resultados apareçam é sempre uma motivação extra para
continuarmos a crescer e a lutar por melhores resultados.
“Já tive convites para sair para um clube de maior dimensão”
Todos os grandes atletas que têm aparecido no Ribatejo acabam por ir para os grandes clubes. Já teve algum convite para isso?
Já houve algumas abordagens. Mas é aqui no Zona
Alta que me sinto bem e os convites não foram de tal modo aliciantes que
me dessem a volta à cabeça e me fizessem sair desta família que é o
atletismo do Zona Alta.
Quer dizer que não há dinheiro mas há amizade e acompanhamento?
Muita amizade mesmo. O acompanhamento por parte
dos dirigentes e treinadores é impecável, a amizade estende-se a todos
os atletas. Somos como irmãos que nas provas se incentivam uns aos
outros, e no final quer obtenhamos uma boa ou má classificação não há
recriminações, nem deixa de haver amizade. Num clube de outra dimensão
as coisas já são bem diferentes o que conta são os resultados.
Quer dizer que ainda não pensou seriamente em ir para outro clube?
Já pensei. Mas reflecti e tenho a certeza que não
vou ser tão acarinhada como sou aqui no Zona Alta. Para sair do clube
em que somos formados e onde já crescemos um bocado é preciso pensar o
passo que vamos dar e vermos que vamos estar bem. Se não dei esse passo é
porque senti que não estava preparada para o dar.
Mas com a sua mãe desempregada, também é verdade
que tem que começar a pensar em tirar alguma vantagem financeira do
atletismo. E no Zona Alta nunca pode pensar nisso.
Eu sei que é assim, que o Zona Alta não me pode
pagar nada. Mas também garanto que não vou sair daqui porque não me dão
dinheiro. O dinheiro pode ser importante, mas não é tudo, a ajuda e o
acompanhamento que fazem, a preocupação que têm em saber se o atleta
está mal e porquê, o apoio que dão quando precisamos ajudam-nos a
entender que o dinheiro não é tudo.
O desenvolvimento da alta competição em Portugal está ao nível dos outros países?
É uma pergunta difícil! Competi algumas vezes com
atletas de outros países e à partida parecia que eram muito melhores
que nós. Mas depois cheguei à conclusão que o que elas têm são outras
condições que nós não temos.
Já tem o estatuto de atleta de alta competição?
Já tenho o estatuto desde o ano passado. Mas não
recebo nada por isso. E sei que as regras mudaram e agora são os tempos e
as prestações que tivermos que nas provas internacionais,
principalmente lugares no pódio, que contam para a atribuição de bolsas.
Lugares no pódio que Catarina Carvalho procura sempre?
Sim essa é uma ambição minha e de qualquer atleta.
Tem consciência de que é uma das melhores atletas da categoria de júnior?
Sei o que valho, mas ser uma das melhores é sempre subjectivo.
Mas nos campeonatos nacionais e agora na selecção demonstrou que é realmente das melhores?
Sim é verdade, e vou sempre lutar para ser cada
vez melhor. Na selecção fui a segunda portuguesa, mas agora sinto que
podia ter feito melhor, tomei algumas precauções, corri de trás para a
frente e sinto que podia ter chegado um pouco mais à frente.
Foi a falta de experiência que falou mais alto?
Foi. Temos que ver que foi um corta-mato em que
não estamos habituadas a partir da forma como é feita. Temos mesmo que
partir bem para conseguirmos chegar logo aos lugares da frente. Na
altura parti mal e fiquei um pouco para trás e foi difícil recuperar.
Esta chamada à selecção foi o momento alto da sua carreira?
Sem dúvida que sim. Lutei muito para conseguir
ser chamada, e quando fui seleccionada foi uma alegria indescritível.
Treinei muito para o conseguir, foi um grande prémio.
Agora vai ser mais fácil voltar a representar Portugal?
Não sei. Quem decide é o seleccionador.
Mas o resultado foi bom, mostrou que é uma boa atleta e que podem contar consigo?
Sempre disse que no dia em que fosse à selecção
era para dar o meu melhor, e que era para representar a equipa, não ia
lutar por um lugar individual. E foi isso que fiz.
O que é que sentiu na altura da prova?
Estávamos todas muito nervosas e ansiosas, mas
logo que foi dada a partida tudo passou. O nosso único pensamento era
chegar ao fim no melhor lugar possível.
No meio disto tudo qual é a sua prova favorita em pista?
São os três mil metros obstáculos. É uma prova
diferente, é correr e saltar. Não é uma prova saturante, é sempre
diferente e tem a vala de água, adoro saltar na vala, é uma sensação
diferente, é lindo.
O atletismo é o desporto dos pobres?
No que diz respeito a lucros é.
É preciso menos dinheiro para pôr um atleta a praticar atletismo?
É verdade. Para começar umas sapatilhas, uns
calções e uma camisola chegam. Mas não se pode ver o atletismo só nesse
prisma. Um atleta para atingir um elevado nível competitivo precisa de
ganhar dinheiro.
E lesões?
Felizmente nunca tive qualquer lesão. Só fui ao
fisioterapeuta antes da ida à selecção e foi para uma massagem para
estar mais leve.
Quantas horas treina por dia?
Depende do treino que o treinador me dá para
fazer. Posso treinar uma ou duas vezes por dia. Será uma média entre
duas ou três horas por dia.
Qual tem sido a importância do treinador, Nelson Silva, e do dirigente Raul Santos na sua carreira?
Tem sido decisiva. O meu treinador é mais do que
isso, é também um grande amigo, que mesmo quando discute connosco o faz
com amizade. O professor Raul é aquele amigo que está sempre ao nosso
lado. É o amigo de toda a hora, que está sempre presente.
A sua internacionalização já foi reconhecida pela Associação de Atletismo de Santarém?
Até hoje não recebi qualquer palavra de incentivo
da associação. Mas sei que a Associação só dá importância aos atletas
das provas técnicas. Os atletas de fundo e meio fundo, são praticamente
ignorados. Mas não estou preocupada com isso, quero continuar a
trabalhar com vontade para ser uma atleta de nível nacional e
internacional.
Mas reconhece que merecia uma palavra de incentivo?
É claro que sim. Todos nós gostamos de ver o
nosso trabalho reconhecido. Mas ligo mais aos meus objectivos e a quem
me apoia, quem está sempre ao meu lado, do que a quem não quer
reconhecer o trabalho que se faz nestes pequenos clubes.
A Câmara Municipal de Torres Novas já lhe deu os parabéns?
A Câmara de Torres Novas não nos liga nenhuma.
Ainda não percebi porque é que a autarquia nos ignora. Temos excelentes
resultados, levamos o nome da cidade a todo o país e nem sequer temos
uma pista para treinar. Nem somos muito exigentes, só pedimos uma pista
que sirva para treinos, mas chego a pensar que os responsáveis nem
sequer se apercebem dos resultados que fazemos.
A sua ida à selecção foi olvidada?
Ninguém na câmara reconhece o nosso valor.
Quais são os seus objectivos a curto prazo?
Vou treinar com afinco para fazer um bom
Campeonato Nacional de Corta-Mato para ser seleccionada para ir ao
Mundial de Corta-Mato, que se disputa em Abril.
Um bom campeonato nacional é vencer?
Não é vencer. Mas essa é uma ambição que tenho e é
exequível. Conheço bem as minhas adversárias, que são também grandes
amigas, e já conversámos todas sobre o campeonato e a nossa vontade é a
de lutarmos todos pela vitória.
“Sou muito caseira e o atletismo é a minha vida”
Catarina Carvalho nasceu em Leiria, em 1992, foi
registada na Marinha Grande onde viviam os seus familiares. Veio para
Torres Novas muito nova, por isso a sua vida é feita na pequena aldeia
da Meia Via, terra que a adoptou e aos seus familiares.
Como é a Catarina Carvalho na vida particular?
Sou uma pessoa simples, amiga do meu amigo, luto
por aquilo que entendo ser o melhor para mim e para os meus. Adoro
ajudar a minha mãe e tomar conta do meu irmão. Não gosto de intrigas e
abomino a desonestidade.
Como gere o seu dia a dia?
É muito simples. Sou muito caseira e o atletismo é
a minha vida. Neste momento é treino, uma ou duas vezes por dia, e
ajudar a minha mãe na lida da casa.
Tem para isso o apoio da sua família?
O apoio da minha família tem sido incondicional. É
muito bom. A importância desse apoio é diferente daquele que nos é dado
pelo treinador e pelos dirigentes e mesmo dos colegas. Sentir-mos o
apoio das pessoas que nos criaram, que nos deram amor é fundamental para
nos ajudar a fazer os sacrifícios que precisamos de fazer.
A sua mãe e os seus avós costumam acompanhar as suas provas?
A minha mãe vai sempre que pode, o trabalho nem
sempre permite a sua deslocação. Agora em Albufeira foi uma grande
alegria vê-la entre a assistência. O meu avô é mais difícil mas de vez
em quanto vai ver. Mas conto sempre com o seu apoio e quando chego já
sabem o meu resultado.
E os estudos?
Os estudos estão parados. Fiz o nono ano e parei.
Mas agora já cheguei à conclusão de que tenho que voltar. Para o ano
vou tentar fazer o décimo ano.
A paragem foi para se dedicar mais ao atletismo?
Foi também um pouco para isso. Mas não foi tudo, estava um bocado desmotivada e resolvi parar.
Se for possível tirar um curso, já pensou qual?
Se puder quero ficar ligada ao desporto. Quero
ajudar os mais novos a conseguirem ser bons atletas. Quero ter a alegria
de continuar ou ajudar a praticar desporto.
E tempo para outras coisas boas da vida? Namorar, ir a uma discoteca, estar com os amigos?
O importante é gostarmos mesmo daquilo que
fazemos. Porque de resto conseguimos arranjar tempo para tudo. Não tenho
namorado. Mas sempre que posso, e não me prejudica o atletismo, saio um
pouco com os amigos, mas a maior parte do tempo passo-o em casa, gosto
de ver os desenhos animados na televisão. Gosto muito de estar em casa.
E casar e ser mãe?
Não quero casar! Namorar também não namoro. Neste
momento não penso muito numa vida familiar própria. A minha vida é o
atletismo.
Fonte: http://semanal.omirante.pt/
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